Tortura-castigo. Art. 1º, II, da Lei n. 9.455/1997. Crime próprio. Agente que
ostente posição de garante. Necessidade.
A controvérsia está circunscrita ao âmbito de abrangência da expressão guarda, poder ou autoridade, prevista
na figura típica do art. 1º, II, da Lei n. 9.455/1997 (tortura-castigo). De início, cumpre esclarecer que o conceito
de tortura, tomado a partir dos instrumentos de direito internacional, tem um viés estatal, implicando que o crime só poderia ser praticado por agente estatal (funcionário público) ou por um particular no exercício de
função pública, consubstanciando, assim, crime próprio. A despeito disso, o legislador pátrio, ao tratar do tema
na Lei n. 9.455/1997, foi além da concepção estabelecida nos instrumentos internacionais, na medida em que,
ao menos no art. 1º, I, ampliou o conceito de tortura para além da violência perpetrada por servidor público ou
por particular que lhe faça as vezes, dando ao tipo o tratamento de crime comum. A adoção de uma concepção
mais ampla do tipo supracitado, tal como estabelecida na Lei n. 9.455/1997, encontra guarida na Convenção
contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que ao tratar do conceito
de tortura estabeleceu -, em seu art. 1º, II -, que: o presente artigo não será interpretado de maneira a restringir
qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance
mais amplo. Ressalta-se, porém, que a possibilidade de tipificar a conduta na forma do art. 1º, II, da referida lei
(tortura-castigo), ao contrário da tortura elencada no inciso I, não pode ser perpetrada por qualquer pessoa,
pois a circunstância de que a violência ocorra contra vítima submetida à guarda, poder ou autoridade, afasta a
hipótese de crime comum, firmando a conclusão de que o crime é próprio. Nítido, pois, que, no referido preceito,
há um vínculo preexistente, de natureza pública, entre o agente ativo e o agente passivo do crime. Logo, o delito
até pode ser perpetrado por um particular, mas ele deve ocupar posição de garante (obrigação de cuidado,
proteção ou vigilância), seja em virtude da lei ou de outra relação jurídica. (Informativo n. 633.)
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