DIREITO PENAL. CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE ENTREGA DE DIREÇÃO DE VEÍCULO
AUTOMOTOR A PESSOA NÃO HABILITADA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES.
8/2008-STJ). TEMA 901.
É de perigo abstrato o crime previsto no art. 310 do Código de Trânsito Brasileiro. Assim, não é
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exigível, para o aperfeiçoamento do crime, a ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto
na conduta de quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor a pessoa não
habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou ainda a quem, por seu
estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com
segurança. Ao contrário do que estabelece o crime imediatamente anterior (art. 309), ou mesmo o
posterior (art. 311), nos quais o tipo exige que a ação se dê “gerando perigo de dano”, não há tal
indicação na figura delitiva prevista no art. 310. Pode parecer uma incoerência que se exija a
produção de perigo de dano para punir quem dirige veículo automotor, em via pública, sem a
devida Permissão para Dirigir ou Habilitação (art. 309) e se dispense o risco concreto de dano para
quem contribui para tal conduta, entregando o automóvel a quem sabe não habilitado ou, o que é
pior, a quem notoriamente não se encontra em condições físicas ou psíquicas, pelas circunstâncias
indicadas no tipo penal, de conduzir veículo automotor. Duas considerações, porém, enfraquecem
essa aparente contradição. Em primeiro lugar, o legislador foi claro, com a redação dada aos arts.
309 e 311, em não exigir a geração concreta de risco na conduta positivada no art. 310. Poderia
fazê-lo, mas preferiu contentar-se com a deliberada criação de um risco para um número
indeterminado de pessoas por quem permite a outrem, nas situações indicadas, a condução de
veículo automotor em via pública. Em segundo lugar, não há total identidade das situações
previstas nos arts. 309 e 310. Naquela, cinge-se o tipo a punir quem dirige sem habilitação; nesta,
pune-se quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor tanto a pessoa não
habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso quanto a quem, por seu
estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com
segurança. Trata-se, na verdade, de uma visão que deve repousar mais corretamente no
incremento do risco ocasionado com a entrega da direção de veículo para pessoa não habilitada
ou em quaisquer das outras hipóteses legais. Conforme entendimento doutrinário, em todas essas
situações, a definição do risco permitido delimita, concretamente, o dever de cuidado para
realizar a ação perigosa de dirigir veículo automotor em vias urbanas e rurais, explicando o
atributo objetivo contido no dever de cuidado objetivo. A violação da norma constitui a criação de
um risco não permitido, culminando, com o desvalor da ação, na lesão ao dever de cuidado
objetivo. Por todo exposto, afigura-se razoável atribuir ao crime materializado no art. 310 a
natureza de crime de perigo abstrato, ou, sob a ótica ex ante, de crime de perigo abstratoconcreto,
em que, embora não baste a mera realização de uma conduta, não se exige, a seu turno,
a criação de ameaça concreta a algum bem jurídico e muito menos lesão a ele. Basta a produção
de um ambiente de perigo em potencial, em abstrato, de modo que a atividade descrita no tipo
penal crie condições para afetar os interesses juridicamente relevantes, não condicionados,
porém, à efetiva ameaça de um determinado bem jurídico. Embora seja legítimo aspirar a um
Direito Penal de mínima intervenção, não pode a dogmática penal descurar de seu objetivo de
proteger bens jurídicos de reconhecido relevo, assim entendidos, na dicção de Claus Roxin, como
“interesses humanos necessitados de proteção penal”, qual a segurança do tráfego viário. Não se
pode, assim, esperar a concretização de danos ou exigir a demonstração de riscos concretos a
terceiros para a punição de condutas que, a priori, representam potencial produção de danos a
pessoas indeterminadas, que trafeguem ou caminhem no espaço público. O subsistema social do
tráfego viário exige o respeito a regras de observância generalizada, sem o qual se enfraquece o
princípio da confiança (aqui entendido, conforme o pensamento de Roxin, como princípio de
orientação capaz de indicar os limites do cuidado objetivo esperado ou do risco permitido),
indispensável para o bom funcionamento do trânsito e a segurança de todos. Não se exclui, por
óbvio, a possibilidade de ocorrerem situações nas quais a total ausência de risco potencial à
segurança viária afaste a incidência do direito penal, como se poderia concluir do exemplo de
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quem, desejando carregar uma caminhonete com areia, pede ao seu ajudante, não habilitado, que
realize uma manobra de poucos metros, em área rural desabitada e sem movimento, para melhor
posicionar a carroceria do automóvel. Faltaria tipicidade material a tal comportamento,
absolutamente inidôneo para pôr em risco a segurança de terceiros. Portanto, na linha de
entendimento de autorizada doutrina, o art. 310, mais do que tipificar uma conduta idônea a
lesionar, estabelece um dever de garante ao possuidor do veículo automotor. Neste caso,
estabelece-se um dever de não permitir, confiar ou entregar a direção de um automóvel a
determinadas pessoas, indicadas no tipo penal, com ou sem habilitação, com problemas psíquicos
ou físicos, ou embriagadas, ante o perigo geral que encerra a condução de um veículo nessas
condições. Precedentes citados: RHC 48.817-MG, Quinta Turma, DJe 28/11/2014; e AgRg no RHC
41.922-MG, Quinta Turma, DJe 15/4/2014. REsp 1.485.830-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 11/3/2015, DJe
29/5/2015 (Informativo 563).
quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
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