quinta-feira, 3 de novembro de 2016

LEI 13.281/16 E AS MUDANÇAS NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO



LEI 13.281/16 E AS MUDANÇAS NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
Foi publicada dia 05/05/2016 a Lei 13.281/16, que altera o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) e traz importantes mudanças nas searas administrativa, penal e processual penal. O art. 7º da Lei dispôs que seus arts. 3º e 4º teriam vigência na data da publicação, estabelecendo vacância de 180 dias para os arts. 1º, 2º, 5º e 6º.[1]
Primeiramente, entraram em vigor dia 05/05/2016 algumas alterações administrativas:
a) nova infração administrativa de manifestação ilegal por meio de bloqueio de via pública (art. 253-A do CTB), com correlata anistia das multas decorrentes das manifestações iniciadas dia 09/11/2015 até 05/05/2016 (art. da Lei 13.281/16);
b) possibilidade de reparar fora do depósito, por órgão público ou particular, o veículo apreendido (art. 271, § 3º do CTB);
c) autorização para não apenas órgão público, mas também particular (mediante licitação) realizar serviços de remoção, depósito e guarda de veículo (art. 271, § 4º do CTB), com pagamento pelo proprietário diretamente ao contratado ou mediante taxa instituída em lei (art. 271, §§ 11 e 12 do CTB) e restituição de cobrança indevida pelo ente público (art. 271, § 13 do CTB);
d) faculdade de notificar o proprietário ausente de veículo removido por via postal, meio tecnológico ou edital (art. 271, § 6º do CTB);
e) limitação em 6 meses para pagamento de despesas de depósito (art. 271, § 10 do CTB);
f) possibilidade de integração dos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito para ampliação e aprimoramento da fiscalização de trânsito, inclusive por meio do compartilhamento da receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito (art. 320-A do CTB);
g) faculdade do proprietário ou condutor do veículo de optar por ser notificado por meio eletrônico (art. 282-A do CTB).
Posteriormente, em 01/11/2016, foi dada vigência para outras transformações administrativas, sendo as principais:
a) autorização para o órgão municipal fiscalizar o trânsito em locais públicos e inclusive em edificações privadas de uso coletivo, neste caso aplicando multas somente para infrações de uso de vagas reservadas em estacionamentos (art. 24, VI do CTB);
b) alteração do limite de velocidade em rodovias (art. 61, § 1º, II do CTB);
c) estipulação de valores em reais aplicáveis às infrações administrativas de acordo com a gravidade (leve, média, grave ou gravíssima), substituindo a obsoleta UFIR (Unidade Fiscal de Referência), indexador instituído pela Lei 8.383/91 (art. 1º) e empregado como parâmetro para débitos de valores ao Poder Público, oficialmente extinto pela Medida Provisória 1.973-67/00 (art. 29, § 3º);
d) permissão para retenção dos veículos que saírem do território nacional sem o prévio pagamento ou o depósito dos valores correspondentes às infrações de trânsito cometidas e ao ressarcimento de danos que tiverem causado ao patrimônio público ou de particulares (art. 119, § 2º do CTB);
e) dispensa do porte do Certificado de Licenciamento Anual quando, no momento da fiscalização, for possível ter acesso ao sistema informatizado para verificar se o veículo está licenciado (art. 133, parágrafo único do CTB);
f) criação de infração administrativa consistente na recusa do motorista (quando envolvido em acidente de trânsito ou for alvo de fiscalização) a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa (art. 165-A do CTB).
Quanto a este controverso art. 165-A do CTB, até então a recusa à submissão aos procedimentos para aferir a influência de álcool ou outra substância psicoativa já implicava as penalidades da infração administrativa afeta à conduta de dirigir alcoolizado do art. 165 do CTB, de acordo com a antiga redação do art. 277, § 3º do mesmo diploma, que também teve seu texto reformulado.
Apesar de a penalidade administrativa ter continuado semelhante, existe uma utilidade para a mudança. Antes da Lei 13.281/16 a punição era feita com base em uma presunção legal absoluta de que o condutor estava embriagado, decorrente da mera recusa em fazer o teste, presunção esta de duvidosa constitucionalidade. Agora o recém criado art. 165-A e a nova redação do art. 277, § 3º do CTB sancionam o indivíduo por se recusar a cumprir uma obrigação legal, e não em virtude de mera presunção.
Todavia, essa artimanha não elimina a polêmica sobre a constitucionalidade do dispositivo. Isso porque o art. 8.2, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos[2] assegura o direito da pessoa de “não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”. De um lado, alguns defendem que esse dispositivo seria inconstitucional por punir administrativamente o motorista pelo exercício de um direito a não se autoincriminar. Lado diverso, outros sustentam que a regra é constitucional e que pode perfeitamente o Estado sancionar na esfera administrativa aquele que se omite face a uma legítima determinação fiscalizatória estatal (tal como ocorre também no âmbito tributário), dividindo-se essa corrente em duas subcorrentes, conforme a argumentação utilizada: a) o nemo tenetur se detegere se restringe à esfera criminal, o que se depreende da própria expressão utilizada pelo texto legal (pessoa acusada de delito tem direito), portanto o sujeito pode ser obrigado a produzir prova em seu desfavor no campo administrativo; b) tanto na seara administrativa quanto na criminal o indivíduo não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, mas no âmbito administrativo, como não se aplica a regra probatória derivada do princípio da presunção de inocência, a recusa do agente em se submeter ao exame pode ser interpretada em seu prejuízo e acarretar a inversão do ônus da prova, resultando em sanção administrativa – posição que adotamos.[3]
Obviamente, mesmo para os defensores da constitucionalidade da infração administrativa, a mera recusa do motorista em se submeter a teste, exame clínico ou perícia não pode caracterizar infração criminal.[4] Para a configuração do crime de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB), reclama-se forma de verificação adicional que não dependa do comportamento do agente, tal como vídeo ou prova testemunhal (art. 306, § 2º do CTB).
No campo criminal, dentro desse conjunto de mudanças da Lei 13.281/16 que entram em vigor, há duas de maior relevância:
a) obrigatoriedade de a pena restritiva de direitos eventualmente imposta pelo juiz ser de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, que desempenhem atividades afetas ao resgate, atendimento e recuperação de vítimas de acidentes automobilísticos (art. 312-A do CTB);
b) revogação da famigerada pseudoqualificadora do homicídio culposo (art. 302, § 2º do CTB, introduzida pela Lei 12.971/14), [5] cujos desdobramentos serão explicados a seguir.
O mencionado arremedo de circunstância qualificadora veiculava em seu preceito secundário pena de reclusão ao invés da detenção cominada ao homicídio culposo simples do caput do art. 302 do CTB, e mantinha, contudo, o mesmo patamar de pena (de 2 a 4 anos).[6] O incremento da sanção penal da qualificadora era irrisório, pois:
Como se sabe, a teor do art. 33 do CP, a diferença entre a detenção e reclusão limita-se à determinação do regime inicial do cumprimento de pena. Esse detalhe perde relevância ao considerarmos que o condenado não reincidente cuja pena seja igual ou inferior a 4 anos poderá desde o início cumpri-la em regime aberto (art. 33, § 2º, c do CP). Ademais, a previsão de pena de reclusão não impede que o juiz promova a substituição por penas restritivas de direitos, que pode ocorrer independentemente da quantidade da pena nos crimes culposos (art. 44, I, do CP).[7]
Como se não bastasse, a pseudoqualificadora tipificava conduta semelhante à qualificadora do racha (art. 308, § 2º do CTB - apenada com 5 a 10 anos de reclusão), criando situação teratológica de conflito aparente de leis penais dentro do mesmo documento legal. Agora a barbeiragem legislativa é desfeita, pois a morte culposa decorrente de racha doloso não tem mais como ser encaixada no revogado § 2º do art. 302 do CTB.
De outro lado, no que tange aos acidentes com vítimas fatais causados por motoristas embriagados, a retirada da qualificadora do § 2º do art. 302 do CTB reacende o debate quanto à possibilidade de concurso entre os delitos de homicídio culposo de trânsito e embriaguez ao volante. Há quem defenda essa possibilidade, aberta quando a Lei 11.705/08 revogou a majorante de homicídio praticado por condutor embriagado (art. 302, § 1º, V do CTB), permitindo o concurso de crimes ante a inexistência de causa de aumento de pena específica. Lado outro, parcela considerável da doutrina e jurisprudência repele o concurso de crimes, em razão da absorção do crime de perigo pelo crime de dano, já que, pelo princípio da subsidiariedade, não se admite a punição de crime de perigo, existente para evitar a concretização do delito de dano, quando o dano já se efetivou.[8]
Outra discussão que o legislador não solucionou é a polêmica acerca da aplicação irrefletida do dolo eventual para os crimes de trânsito cometidos por motoristas embriagados, com vítimas fatais ou feridas. Devem perdurar as discussões e as pressões por interpretações distorcidas envolvendo a configuração de dolo eventual em detrimento da culpa consciente, distanciando-se do tratamento legal mais adequado há muito aguardado.
Importa frisar que, para a caracterização do dolo eventual, exige-se que as circunstâncias do caso concreto denotem que houve representação e aceitação do resultado pelo agente e, sobretudo, que ele demonstrou indiferença às eventuais consequências de sua atitude, com total desapreço ao bem jurídico tutelado como sua própria vida e a de terceiros.[9] A modalidade culposa constitui a regra, na espécie de culpa consciente, na qual o sujeito prevê a possibilidade do resultado danoso, porém supõe que poderá evitá-lo com sua habilidade.[10]
Não disciplinada a questão de modo satisfatório, a cada acidente de trânsito que gere repercussão midiática, os setores sensacionalistas, atentos aos índices de audiência, contudo carentes de aptidão técnico-jurídica e descompromissados com a atuação estatal legalista, continuarão a teimar pela banalização do instituto do dolo eventual, com a pretensão de imputá-lo como se regra fosse.
Malgrado as sucessivas reformas realizadas no CTB, as controvérsias que em torno dele gravitam não findam.[11] As falhas do Poder Legislativo saltam aos olhos: (a) não insere qualificadoras decentes para os delitos de dano de homicídio e lesão corporal de trânsito resultantes de embriaguez ou de racha, (b) olvida-se de ajustar a sanção da lesão corporal de trânsito conforme o grau da ofensa, e (c) insiste em incongruentes figuras qualificadas em crimes de perigo como no caso do racha do qual resulte morte ou ferimentos graves, ignorando a lógica jurídica e o princípio da subsidiariedade. Não é exagero concluir que o CTB é uma colcha de retalhos mal acabada.
[1] A contagem do prazo para entrada em vigor de leis com período de vacância inclui a data da publicação (05/05/2016) e o último dia do prazo (31/10/2016), entrando em vigor no dia subsequente à consumação do lapso temporal (art. , § 1º da Lei Complementar 95/98).
[2] O Pacto de São José da Costa Rica foi incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto 678/92.
[3] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 80.
[4] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Atualizações no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 13.281/16). Revista Jus Navigandi, Teresina, maio 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/49084 >. Acesso em: 10 out. 2016.
[5] O § 2º do art. 302 do CTB foi revogado pelo art. da Lei 13.281/16.
[6] MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; SANNINI NETO, Francisco. “Barbeiragens” nos crimes de trânsito entram em vigor. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4238, 7 fev. 2015. Disponível em:. Acesso em: 10 out. 2016.
[7] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Código de Trânsito atinge a maioridade com velhos problemas e novas perspectivas. Revista Consultor Jurídico, jan. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-jan-22/código-trânsito-atinge-maioridade-velhos-problemas-novas-perspe.... Acesso em: 10 out. 2016.
[8] Por todos: NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 1253.
[9] STF, HC 127.774, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 01/12/2015.
[10] SUMARIVA, Paulo. Direito penal: parte geral. Niterói, RJ: Impetus, 2016, p.112.
[11] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Código de Trânsito atinge a maioridade com velhos problemas e novas perspectivas. Revista Consultor Jurídico, jan. 2016. Disponível em:. Acesso em: 10 out. 2016.

Referências
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Atualizações no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 13.281/16). Revista Jus Navigandi, Teresina, maio 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/49084>. Acesso em: 10 out. 2016.
CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Código de Trânsito atinge a maioridade com velhos problemas e novas perspectivas. Revista Consultor Jurídico, jan. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-jan-22/código-trânsito-atinge-maioridade-velhos-problemas-novas-perspe... >. Acesso em: 10 out. 2016.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: Juspodivm, 2015.
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; SANNINI NETO, Francisco. “Barbeiragens” nos crimes de trânsito entram em vigor. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4238, 7 fev. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/33392>. Acesso em: 10 out. 2016.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
SUMARIVA, Paulo. Direito penal: parte geral. Niterói, RJ: Impetus, 2016.

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